Sobre ser Madrasta
Não, você não acordou um dia e descobriu que o seu propósito de vida era ser madrasta.
Você também não sonhava com isso desde criança, muito menos fantasiava uma brincadeira de ninar seus bichinhos de pelúcia como enteados.
Você talvez tenha brincado de mamãe filhinho. Mas nunca de "madrasta enteadinho".
Muito menos de madrasta e filhinho (que não é seu).
Além de nenhuma dessas cenas ter acontecido na sua infância ou na sua vida, (e se você vive no planeta Terra), deve ter sido impactado por alguma imagem de madrasta-bruxa-má. É um combo. Vem tudo junto, ao mesmo tempo. Você até pode ter sido uma pessoa legal, mas ao se relacionar amorosamente com um homem com filhos você automaticamente vira uma pessoa má.
Pessoas se unem, casam, procriam, e muitas vezes se separam. E muitas vezes também se unem de novo - com outras pessoas. E aí começa a história.
A minha começou há cinco anos, quando me vi nesse papel, que já fazia parte da minha vida porque os meus pais também se separaram. O papel de madrasta. E você sabe o que significa a palavra madrasta? Mulher do pai. Não tem nada a ver com má.
E desde então muita coisa que envolve ser madrasta me inquieta. Me faz questionar nossos modelos de relação, crenças, histórias e construções sociais ao redor do que significa ser família.
“Como você pode amar tanto um filho que não é seu?” - muitas vezes já ouvi essa pergunta. Será que a gente indagaria da mesma forma uma mulher que adota uma criança? Me pergunto sem parar.
Ser mãe é nobre. É reconhecido. É lindo. É pura alegria. Ser madrasta é sombra. Ninguém fala sobre isso. Ninguém pensa sobre isso. Se um dia você engravidar, será automaticamente convidada para uma centena de grupos. Grupo de acolhimento para grávidas do primeiro trimestre. Grupo de conversa sobre a chegada do bebê. Grupo de acolhimento e conversa sobre o parto (nossa, sobre o parto o que mais tem é grupo e discussão).
Decida fazer parte de uma família que já existia antes de você. Procure um grupo. Não existe. Procure no Google. Ele vai te dizer que você é automaticamente “uma pessoa má e incapaz de sentimentos amorosos” (definição de madrasta que você encontra no Google).
Em torno desse assunto existe uma questão delicada que tem a ver com traição. Sim, muitas vezes um novo núcleo familiar se forma a partir de uma traição. E muitas madrastas aparecem na vida de crianças sem aviso prévio e tomando, de alguma forma, um espaço que pertencia à mãe. Mas é impossível uma madrasta tomar o lugar de uma mãe, mesmo que ela se torne, de um jeito esquisito, uma nova mulher na vida de alguém. Precisamos separar os papeis.
Vamos repensar nossos conceitos, preconceitos e crenças?
Vamos curar algumas construções sociais que criamos para este papel, que pode sim existir de forma bacana e saudável para todos?
Precisamos reescrever a forma como nos relacionamos. Todas as crianças do mundo podem ser amadas por todos nós. E isso precisa estar acima de qualquer modelo de família.